Porque será que ela escolheu tingir os cabelos de azul antes de morrer ? Ou já tinha os cabelos assim? Eu não sei. Pessoalmente a observei baixar seu violão e caminhar em direção aos trilhos do trem, com lágrimas escorrendo em seu rosto.
E mer perguntava: Porque uma garota tão bonita estava querendo dar fim a sua vida desse jeito?
Eu não acreditava que essa cena, quase de filme, era real e se passava ali na minha frente.
O que devo fazer?
Às 6 da tarde, do dia 26 de Maio, a gente pegou o metrô vindo do jogo de vôlei de praia que tinha visto, eu estava com a minha câmera, como sempre. O dia estava lindo, céu azul, calmo.
Quando saímos da estação chamada 'Woodlands' , andamos um pouco pela região dos trilhos, para encurtar caminho. Passamos por essa brecha que tinha na cerca protegendo a linha do trem e seguimos pelo caminho enquanto eu tirava umas fotos. Estava calmo e sereno, somente alguns trens passavam pra lá e pra cá com gente e outros vagões estacionados. De certa maneira aquele ambiente deserto somente com o ruído dos trlhos certamente era um pouco deprimente mesmo.
Mais ou menos 1Km depois, já mais distante dos trens, eu escutei umas breves notas sendo tocadas num violão. Foi quando vimos aquela garota de cabelo azul, sentada nos trilhos e que tocava lentamente uma melodia triste no seu violão. Aos poucos notei que o som do violão ficava mais alto mas a voz dela continuava sussurando. Foi aí quando tirei minha primeira foto.
Fui me aproximando, mas não queria fazer alarde, queria tirar mais fotos sem ser notado ali.
Ela tinha a cabeça baixa e seu cabelo azul caía cobrindo seu rosto. Tirei a segunda foto.
Nesse momento, alguuns garotos que passavam por ali fizeram barulho e falaram algo para ela que chamou sua atenção. Eles não tinham a menor idéia que aquele era uma jovem bastante confusa, sentada nos trilhos do trem, pensando sabe-se lá o que.
Por algum motivo, meu instinto me dizia que essa garota de cabelo azul queria morrer, talvez por ver tantas cenas de filmes de cowboy com a mocinha amarrada nos trilhos. Eu não queria ir embora até ver o que ela faria.
Bem, eu olhei e foi como eu esperava. Ela ficou em pé no meio dos trilhos chorando copiosamente e de braços abertos. Não havia tempo para outra foto. A sirene do trem começou a alarmar e as luzes de alerta a piscar. Ela não se mexia. De olhos fechados, como se estivesse preparada para saborear a morte.
Eu pensei: putz...e agora?
Confesso que por uma fração de segundos quis ficar ali e registrar o momento com fotos, mas o que fiz foi correr a tempo de puxá-la dos trilhos. Institivamente a agarrei para evitar de ela correr para o trem. O trem passou direto, e ela começou a chorar alto.
Eu não estava orgulhoso do que fiz, nem feliz, nem sentindo corajoso. Estava sim super nervoso. Minha adrenalina deve ter ido a mil naquela hora. Nesse momento eu estava pensando se outros teriam tomado a mesma decisão que eu tomei. Para falar a verdade, eu não me sentia bem, eu meio que fui contagiado por aquele momento de tristeza dela.
Por isso eu chorei também. Minha esposa já estava chorando há tempos.
Peguei nos braços e perguntei: Porque você fez isso? como se estivesse dando um puxão de orelha nela.
Ela simplesmente ficou calada.
"porque você queria morrer?" continuei.
Ela aos poucos limpava as lágrimas e não me respondia. A minha esposa simplesmente tentava acalma-la com as mãos.
Peguei meu cartão com telefone e dei para ela:"Espero que você valorize mais sua vida! Se precisar conversar com alguém, manda um email pra gente ou liga ok?" - E saímos.
Eu ia deixando a garota para trás e escutei outro trem passando. Notei que ela ainda olhou para ele. Como que por instinto novamente, eu puxei a camera e tirei mais duas fotografias dela nesse momento.
Hoje fico pensando, essas podem ter sido as duas últimas fotografias dela (espero que não!!!), ou como minha esposa fala: "essas podem ser as fotografias mais preciosas da vida dela".
Infelizmente não pude fotografar seu rosto. Por isso hoje não lembro do rosto dela, somente de seus cabelos azuis.
Eu sou apenas um fotógrafo. Acredito que passei naquele momento por ali por coincidência. Eu não sou alguém assim tão chamativo ou heróico, mas de forma não intencional naquele momento eu chamei a responsabilidade para mim de salvar a vida dela, de novo, digo que foi por instinto.
Eu sei que talvez eu não possa salvá-la como 'pessoa'. Não tenho a menor idéia do que é dela agora, e certamente me arrependo de não tê-la convidado para tomar um café conosco ou algo assim e conversar com ela. Depois me arrependi de não ter podido contactar alguém da família dela, ou amigos, ou namorado, ou marido...se é que isso faria alguma diferença.
Suicidas provavelmente não querem ser entendidos ou ter que dar explicações de seus atos.
Mas algo me diz que ela, com aqueles olhos determinados, infelizmente ainda pensa na morte, e esse pensamento angustia qualquer um que a visse ali.
Mais, eu sinto que devo publicar aqui essa história e suas fotos para que seja pública, usar a força da internet. Talvez alguém por mais louca que pareça a idéia, possa reconhecê-la por aqui e dizer algo sobre isso.
O que pode ser mais importante assim do que a própria vida? O que de fato aconteceu com ela? O que eu/nós devo/devemos fazer agora? Será que todos que a conhecem saberão dessa história e estarão ali novamente para salvá-la? Será que valeu a pena?